As malformações congênitas e alterações cromossômicas afetam 5% dos recém-nascidos no Brasil, e é um dos aspectos que mais preocupam os radiologistas na execução dos exames pré-natal.
Os exames de imagem intracraniana são capazes de detectar algumas mutações, bem como identificar se há malformação no feto, como é o caso da microcefalia. Esse trabalho tem ganhado cada vez mais notoriedade devido a extrema importância por auxiliar paciente e família a se preparem para o parto, proporcionando assim os cuidados que o bebê necessite ao nascer.
Esta doença ganhou espaço no noticiário nas últimas semanas. Segundo uma pesquisa que comparou dados de mulheres grávidas do Rio de Janeiro e Manaus, a infecção prévia por dengue não aumenta o risco de uma gestante infectada pelo zika dar à luz um bebê com microcefalia.
Essa constatação contrapõe alguns estudos realizados em 2015 e 2016, quando ocorreu um surto de zika no Brasil em regiões historicamente endêmicas para a dengue, ambos os vírus têm o mesmo vetor de transmissão, o mosquito Aedes aegypti.
Naquela época, alguns estados afetados registraram um aumento de casos de microcefalia, enquanto outras regiões não tiveram o mesmo crescimento.
De acordo com este novo estudo, dois fatores explicam o maior número de registros de microcefalia em algumas áreas: primeiro a alta taxa de casos de zika em relação ao total da população (a chamada taxa de ataque); e segundo pelo fato de as mães dos bebês com o distúrbio terem contraído o vírus no primeiro trimestre da gravidez.
O trabalho faz parte da Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo,a Rede Zika, e é apoiado pela FAPESP por meio dos projetos (16/15021-1 e 13/21719-3). Os resultados desta nova constatação foram publicados no Viruses, ligado ao Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI), no fim de abril, em uma edição especial com estudos relacionados aos temas: zika e gravidez.
O virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e um dos orientadores do grupo juntamente com a pesquisadora Patrícia Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirmou em entrevistas que “as discrepâncias do número de registros de microcefalia entre regiões durante a epidemia de zika levaram a muitos questionamentos. Uma das hipóteses era de que a pré-exposição à dengue poderia agravar os casos. Mas no interior de São Paulo, mesmo sendo uma região altamente endêmica para dengue, não houve muitos efeitos adversos do zika. Por isso, fomos investigar o que poderia explicar as diferenças”.
Ainda de acordo com o pesquisador, ao analisar os dados das duas capitais, a taxa de ataque teve destaque. Enquanto no Rio de Janeiro, que registrou muitos casos de microcefalia, o número de pessoas contaminadas com o vírus zika foi de dez para cada 10 mil habitantes, em Manaus, onde o índice de bebês com a síndrome foi baixo, a taxa de casos ficou em 0,6 por 10 mil pessoas.
10 fatos importantes sobre o estudo
- 1. O grupo investigou as diferenças nos resultados adversos da gravidez e nos bebês em um conjunto de pessoas que têm em comum um evento que se deu no mesmo período.
- 2. O estudo compreende 114 gestantes com infecção pelo vírus zika confirmada por PCR entre setembro de 2015 e junho de 2016.
- 3. As participantes foram recrutadas na Fundação Heitor Vieira Dourado de Medicina Tropical (FMT-HVD), um centro de referência para doenças infecciosas em Manaus, e no ambulatório de doenças febris agudas da Fiocruz, no Rio.
- 4.A exposição prévia à dengue foi avaliada por meio de ensaios de anticorpos neutralizantes e sorologias.
- 5.Foram exploradas as associações potenciais entre os resultados da gravidez e as taxas de ataque do zika, definidas como o número de casos relatados em sistemas oficiais durante o período de estudo dividido pelo tamanho total da população das duas cidades.
- 6. 31 mulheres tiveram resultados adversos (27 no Rio e quatro em Manaus).
- 7. Desse total, houve quatro perdas na gravidez e 27 bebês nasceram com anomalia cerebral. Apenas as taxas de ataque de zika e infecção no primeiro trimestre da gravidez foram associadas a efeitos adversos. A imunidade preexistente à dengue não foi associada a resultados [normais ou anormais] em pacientes com infecção por zika durante a gravidez.
- 8. No artigo, os pesquisados ressaltaram: “os pontos fortes de nosso estudo incluem uma classificação cuidadosa dos resultados infantis, possibilitada por avaliações detalhadas no nascimento por uma equipe multidisciplinar. Além disso, o uso de um ensaio altamente sensível e específico para caracterizar a imunidade de dengue preexistente e o uso de soros coletados durante a fase aguda do zika por RT-PCR conferem credibilidade aos nossos resultados. Nossas principais limitações são o tamanho modesto da amostra e a seleção da amostra de conveniência”.
- 9. Em outro estudo coordenado também por Nogueira, em 2017, já havia sido mostrado que pacientes infectados pelo zika depois de terem tido dengue não apresentavam uma enfermidade mais severa do que outras pessoas. Esse trabalho foi o primeiro a indicar esse resultado em seres humanos. À época, estudos anteriores realizados apenas com células e com roedores sugeriam a potencialização de uma infecção pela outra.
- 10. Agora, o grupo de estudos continua analisando a interação entre zika e dengue e avalia se o zika também modula a infecção por dengue. Nogueira também participa de um grupo internacional que busca modelos capazes de prever epidemias de zika, dengue e febre amarela.